ÓRFÃOS DO BRASIL: Comemoração do Dia das Mães é marcado por lembranças e saudade em pandemia

rafaela frança
3 min readMay 4, 2021

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Conheça a história de Anna Carolina Lourenço Azêdo, filha de médica que morreu de covid-19 em novembro de 2020

Foto: Arquivo Pessoal / Anna

Diferente dos anos anteriores, o Dia das Mães de 2021 carrega um sentimento de dor e saudade. Muitas famílias se preparam para a data com pesar, isso porque as mortes provocadas pela covid-19 alastrou cidades, países e diversos lares brasileiros. Além disso, a data comemorativa neste ano não tem motivo para celebração. De acordo com os dados mais recentes do Observatório Obstétrico Brasileiro Covid-19 (OOBr Covid-19), o número de mortes de gestantes e de mães de recém-nascidos dobrou em 2021 em relação a 2020. Neste ano, até o dia 7 de abril, foram registradas 289 mortes deste grupo de pessoas.

Um dos principais motivos para a decorrência da morte nestes casos, é a falta de acesso a tratamentos adequados para o coronavírus. Os dados mostram que uma em cada cinco grávidas e mães de recém-nascidos internadas com a doença não tiveram acesso a unidades de terapia intensiva (UTIs) e cerca de 34% não foram intubadas.

O peso desses números cai diretamente nas casas de brasileiros que lidam com a ausência daqueles que se foram — sejam pai, mãe, tios ou avós. A data, além de enfatizar o papel da mãe, reforça o amor em família, a união e a saudade. Para Anna Carolina Lourenço Azêdo, jornalista, de 24 anos, esse é o primeiro ano sem a presença da Maria da Conceição Lourenço Azêdo, mãe da jornalista. “Está tudo bem estranho na minha cabeça. Tenho chorado mais a morte dela”, afirma. “Antes eu estava na fase de negação e agora eu acho que realmente estou de luto”, continua Azêdo.

Mais do que uma mãe incrível, como resume Anna, dona Ceiça — como era carinhosamente chamada por amigos e familiares, era profissional da saúde e linha de frente no combate do covid-19 em Santa Catarina. Ginecologista há 20 anos, natural do Rio de Janeiro, Ceiça atuou como médica no sistema público de saúde de São Bento do Sul, no planalto norte do Estado. Com uma carreira extensa na medicina, ela trabalhou também na Rede Feminina de Combate ao Câncer e foi uma das fundadoras do projeto no município.

Com a mãe atuando no combate ao vírus, Anna acreditava na melhora e buscava, diariamente, lidar positivamente com a doença. “Minha mãe ficou doente no início da segunda onda, quando ninguém mais era imune ao vírus. Então a gente tinha essa perspectiva de que, pelo fato dela ter 56 anos, a gente via como algo que ela iria sair”, conta a jornalista. “Com o tempo aquilo foi se agravando e eu fiquei confusa, sem entender”, diz.

A rotina da casa de Anna também está se adaptando, reconhecendo o ambiente sem a presença materna. Para Anna, esses momentos em que a ficha cai são os mais doloridos. “Um mês depois da morte dela, teve um dia que eu estava na rua e eu peguei chuva. Meu pai estava numa reunião da igreja e ele não conseguia sair pra me buscar, e aí eu tive que andar até a igreja”, relembra. “Minha mãe já teria ligado e perguntado se eu precisava de carona”, finaliza Anna.

A história de Anna se repete em milhares de famílias brasileiras e a ausência sentida no dia a dia torna-se quase comum nos dias de hoje. De acordo com a jornalista, as coisas seriam diferentes com a melhora da mãe. “Acredito que eu estaria administrando melhor as minhas coisas, porque ela ia me encher de fé e de esperança”, conta. “Só o fato dela estar em casa eu já me sentia bem, mas agora ela nunca mais vai estar”, finaliza.

Além de Anna, milhares de famílias brasileiras tiveram que enterrar seus entes queridos muito mais cedo do que imaginavam. O coronavírus decepou vidas novas, velhas, crianças, adultos, sem distinguir gênero ou idade. Pessoas com histórias incríveis para contar, como a dona Ceiça, que não estará ao lado da família neste dia 9 de maio. Que a comemoração desta data não se perca em lamentações, mas também relembre as vidas que se foram cedo demais.

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