Vinte anos após adotar política de saúde mental, ainda existem mais de 100 manicômios ativos no Brasil

rafaela frança
6 min readJun 1, 2021

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Dia da Luta Antimanicomial é celebrado em 18 de maio para reforçar a importância da conscientização pela saúde mental

Foto: Wiki

Vinte anos após se tornar o primeiro país da América Latina a adotar uma Política Nacional de Saúde Mental, no Brasil ainda há 109 manicômios ativos. A Lei Federal 10.216, criada em 6 de abril de 2001, compromete direitos a pacientes com transtornos psiquiátricos e estabelece protocolos de tratamentos. A lei é conhecida como Lei Antimanicomial.

Ela determina que, ao invés de serem trancados em hospitais psiquiátricos e manicômios, os pacientes devem ser encaminhados para Residências Terapêuticas (RTs). Em Joinville, existem duas dessas residências, onde os pacientes vivem normalmente em sistema familiar, com o apoio de um grupo de profissionais da área. Além disso, com o acompanhamento dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), unidades que prestam serviços de saúde constituído por equipe multiprofissional.

De acordo com Andressa Oliveira Büchele, de 26 anos, Terapeuta Ocupacional (T.O), as casas terapêuticas exercem a função de realizar a inclusão social desses indivíduos na sociedade e a reinserção familiar, buscando estimular a autonomia e independência com um olhar humanizado. “É um trabalho muito difícil e que exige muita concentração, paciência e empatia. Mas também é muito satisfatório e gratificante, pois ajuda a criar vínculos, sem rótulos, e entender que cada indivíduo é único com vontades e demandas diferentes. Foi uma evolução pessoal e profissional”, contou a profissional.

Apesar de proibido por lei no Brasil, o retrocesso de ambientes hospitalares semelhantes ou iguais aos manicômios está cada vez mais presente. Segundo a Frente Ampliada em Defesa da Saúde Mental, desde 2016, entidades denunciam ações que favorecem hospitais psiquiátricos. “A diferença entre os hospitais considerados manicômios, é a humanização que começa pela equipe de trabalho, pelos profissionais e os serviços ofertados a esses indivíduos”, explica a terapeuta.

Além das RTs, atualmente o Brasil conta com mais de duas mil unidades do CAPs (Centro de Atenção Psicossocial) espalhados pelo país. Os centros, em suas diferentes modalidades, são pontos de atenção estratégicos para serviços de saúde mental, constituído por equipe multiprofissional e que atua realizando atendimento às pessoas com sofrimento ou transtorno mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas, principalmente em processos de reabilitação.

Para Andressa, essas alternativas de cuidado são essenciais, principalmente nos dias de hoje. “Essas estratégias para o enfrentamento do estigma em saúde mental são essenciais para quebrar os obstáculos que esses indivíduos enfrentam diariamente como a integração social e a vida plena em sociedade”, conta. “Acredito que a população ainda tem pouco entendimento sobre saúde mental e há muito preconceito a ser desconstruído”, finaliza a T.O.

A data, que reforça a importância de quebrar o estigma relacionado à saúde mental, torna-se indispensável. De acordo com a terapeuta, garantir os direitos de pessoas com transtornos mentais é um direito a ser conquistado. “É muito importante o Dia Nacional da Luta Antimanicomial para garantir os direitos de indivíduos portadores de transtornos mentais e a garantia dos melhores tratamentos. E também para a sociedade conhecer mais sobre a saúde mental e se envolver, assim quebrar preconceitos”, explica Büchele.

Mais da metade dos brasileiros declarou piora na saúde mental durante pandemia

Segundo estudos do Instituto Ipsos, realizada pelo Fórum Econômico Mundial e cedida à BBC News Brasil, 53% dos brasileiros declararam que o bem estar mental piorou um pouco ou muito no último ano, durante a pandemia. Entretanto, o impacto da Covid-19 nos transtornos psiquiátricos foi menor do que o esperado em 2020.

Ainda de acordo com a pesquisa, mais da metade dos brasileiros entrevistados declararam que a saúde emocional e mental piorou desde o início da pandemia, em índice superior à média dos 30 países e territórios pesquisados.

Diagnosticada com Transtorno de Borderline, depressão, ansiedade e bipolaridade tipo I, Luana Pugliesi, de 20 anos, conta como a saúde mental foi afetada durante a quarentena. “O isolamento se tornou meu pior inimigo pois ele me obrigava a lidar sozinha com algo que eu não estava preparada, que era muito além do que eu estava acostumada a notar em mim”, declara.

Outro estudo, divulgado pelo Instituto Fiocruz, mostra que cerca de 40% da população adulta brasileira lida, frequentemente, com “sentimentos de tristeza e depressão, além da sensação de ansiedade e nervosismo”. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o país com a maior prevalência de transtornos de ansiedade nas Américas. Segundo dados mais recentes, em 2017 o problema afetava 9,3% da população, o equivalente a 18,6 milhões de pessoas.

Entretanto, até o descobrimento e diagnóstico da doença, é um caminho longo e, muitas vezes, cansativo. “Ainda na adolescência eu lidei com 2 diagnósticos: de depressão e de ansiedade. Mas ainda que tratando eles com medicamentos, percebia que muitas vezes minhas reações a coisas normais do dia a dia iam além do que me foi passado nas sessões de terapia”, explica Pugliesi. Assim como Luana, muitas pessoas podem desenvolver transtornos e não perceber, justamente pela falta de informações sobre a saúde mental.

Durante a pandemia, entre abril do ano passado e fevereiro deste ano, o site Dr. Consulta divulgou uma pesquisa sobre os dados de atendimento online com psicólogos e psiquiatras no Brasil. De acordo com o estudo, mais de 88 mil consultas foram realizadas durante esse período, resultando em mais de 350 atendimentos por dia. “Percebi que durante a pandemia, muitos dos problemas que já existiam por culpa da doença no meu dia a dia se fizeram mais fortes e presentes, hoje em dia, sinto que realizar tarefas normais em sociedade tem me causado grande angústia”, conta a jovem.

No total, foram 77 mil consultas em psiquiatria, com mais de 40 mil deles tendo diagnóstico de depressão ou doenças relacionadas, como transtornos de humor ou de ansiedade. A psiquiatria também foi a especialidade mais procurada, com 22,44% das consultas. Ainda de acordo com o levantamento, a maior parte dos pacientes são mulheres, 65% do total. Por faixa etária, a maior parte tem entre 21 e 30 anos (30%), seguido dos 31 a 40 anos (24%).

Dia Nacional da Luta Antimanicomial no Brasil relembra Holocausto Brasileiro, que matou 60 mil pacientes no maior hospício do Brasil

A data, no dia 18 de maio, foi constituída em homenagem aos profissionais que lutavam por um tratamento mais humanizado para os pacientes do sistema de saúde mental. A luta ganhou forças quando surgiu o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental, que assumiu um papel importante na crítica da política de assistência psiquiátrica.

Algumas das suas reivindicações incluíam o fim do uso do eletrochoque e de outras práticas de tratamento semelhantes à tortura, melhores condições de assistência e, principalmente, pela humanização dos serviços.

Entre os episódios de violência contra a população com transtorno mental, o Hospital Colônia de Barbacena, no interior de Minas Gerais, foi o que mais chamou a atenção. Mais de 60 mil pessoas morreram aprisionadas de forma compulsória e sem critério, submetidas a maus-tratos, naquele que ficou conhecido como o holocausto brasileiro.

Na época, muitas pessoas com doenças mentais ou outro tipo de deficiência eram entregues ao hospital, muitas vezes pela própria família. O período em que mais morreram pessoas nessa instituição foi por volta de 1960 a 1970, no início do Regime Militar no Brasil.

O Movimento da Reforma Psiquiátrica teve início a partir dos anos 70, em pleno processo de redemocratização do país. Na década de 90, novas normas foram aplicadas para a saúde mental. O Ministério da Saúde substituiu o tratamento em hospitais por atendimentos comunitários. Por meio das Leis Federais 8.080/1990 e 8.142/90, foi instituída a rede de atenção à saúde mental e a criação do SUS (Sistema Único de Saúde).

As leis atribuíram ao Estado a responsabilidade de promover um tratamento em comunidade, possibilitando a livre circulação dos pacientes e não mais a internação e o isolamento, contando com os serviços de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT); os Centros de Convivência e Cultura, as Unidade de Acolhimento (UAs), e os leitos de atenção integral (em Hospitais Gerais, nos CAPS III).

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