Rascunhos à solidão
lembro de me odiar tão francamente que era nítido no caminhar desalinhado e nas mãos trêmulas aos encarar outra pessoa minimamente mais ajeitada
tudo era absurdo e distante de mim, uma pessoa tão pequena que mal cabia na própria solidão — precisava transbordar
e aí partir daí nasceu alguém que cria escreve repete e reflete nas páginas os desalentos mais sinceros
a construção se foi grande e contínua, inerente à insegurança que criei desde os 10 aos 20, sem entender que a minha casa é dentro de mim — e esse corpo logo se vai
assim como tudo que senti aos quinze e hoje se mantém no fundo do meu corpo que hoje já não odeio tanto assim
as dores mudam, renovam, as vezes engrandecem, noutras nem tanto. agora, a mágoa de ser quem eu sou vai além de uma aparência mediana e cabelos bonitos
me vejo adulta, em pé em cima do muro, sem ter para onde ir que não seja andar em linha reta engolindo sentimentos difusos e ignorando que a existência pesa na rotina, no caminhar, no respirar, na falta do colo da lúcia
e a voz da minha mãe já é tão distante que eu mal a ouço quando preciso. mas a outra versão de mim me olha em espanto, pensando: como você conseguiu?
a resposta é uma pergunta que eu jamais vou saber dizer
a verdade é que ninguém sabe o motivo de continuar a não ser, sinceramente, viver