O verdadeiro rosto de São Paulo
Figura emblemática da noite paulistana, com suas bochechas de grandes proporções preenchidas de silicone e com uma maquiagem teatral, Ricardo Corrêa da Silva era conhecido e reconhecido como o “Fofão da Augusta”, apelido dado por lembrar do personagem fictício dos anos 80. Com os recém completos 60 anos, a verdadeira face de Ricardo foi finalmente reconhecida com a dignidade merecida de uma vida de luta e superação. Pouco antes do fim da jornada de Ricardo, o jornalista Chico Felitti trouxe para a internet quem foi o icônico “Fofão”. Ricardo Corrêa da Silva, nascido em Araraquara, chegou na metrópole paulistana e mostrou seu talento em ser cabeleireiro. Conseguiu alcançar o ao auge da fama atendendo celebridades e sendo reconhecido somente pelo seu talento. O rapaz que queria ficar cada vez mais bonito passou por diversas cirurgias somente com este intuito. Em São Paulo fez sua história que despertou a curiosidade não somente de Chico, mas de muitas pessoas que cruzaram com a figura inesquecível de Ricardo.
Durante quatro meses, Chico investigou e se aprofundou no mundo violento e cheio de nuances de Ricardo. As emoções ultrapassam as linhas que Chico escreve e chega ao leitor com o impacto de uma empatia coletiva. O sentimento parece o mesmo em cada leitor que deixou seu comentário: como uma urgência de mudar um fim já existente. Ricardo merecia mais. Merecia ser chamado pelo seu nome, não por um personagem. Ser reconhecido pelo seu talento, não pelo seu rosto com bochechas preenchidas com silicone. Merecia ajuda pelo seu transtorno mental, não julgamento. Merecia amor, não preconceito.
Em 09 de dezembro de 1957, na cidade de Araraquara, interior da grande São Paulo, nasceu Ricardo Corrêa da Silva. Seu nome, entre tantos outros nascidos na pequena cidade, foi esquecido. Propositalmente, o filho araraquarense foi apagado das memórias conservadoras dos seus moradores. A partida daquela cidade interiorana foi o início de uma história enraizada em preconceitos que criou os caminhos que Ricardo percorreu durante seus 60 anos.
Ele era singular. Único. Inesquecível. Procurar seu nome na internet, entre 2007 e 2008, é encontrar particulares e declarações de pessoas comuns que se depararam com o homem. Diversas perguntas foram feitas e nenhuma respondida até outubro de 2017, quando saiu a matéria de Chico. Ninguém foi tão profundo em desvendar os mistérios que carregava àquela face lendária. “Era uma lenda”, dizem os comentários. Mas diferente de uma lenda, que vêm da imaginação popular, Ricardo era real. Com nome, sobrenome, carne, ossos e cicatrizes.
Pensar sobre como o fim da vida deste ícone paulistano traz um sentimento melancólico ao leitor que não o conhecia. A reportagem levou para todos os brasileiros que não sabiam da existência de Ricardo uma perspectiva humanizada, diferente do que poderia ser se fosse de outra forma. Questão que poderia não ter acontecido se não fosse por cada palavra tão delicadamente escrita por Chico. Acalentou os corações dos curiosos, mas trouxe uma vontade imensa de mudar os percursos tão dolorosos da vida do artista. “Chegou ao fim? Assim?”. A resposta é tão simples quanto dois+dois são quatro: a vida é assim. Ela chega ao fim, sem mais nem menos. Com um pedido de licença para voltar para a rotina. Como voltar para casa. Como disse Isabel Dias, todos os encontros com o Ricardo trouxeram o sentimento de empatia tão forte, que derrubou todos os preceitos que já temos designados. “No fundo, acho que percebi que nada do que eu tenha passado se compara a essa história de horror com um personagem que é a cara de São Paulo”. E este é o verdadeiro rosto esquecido, fragilizado e machucado de São Paulo.